[#6] Integridade, hegemonia e sigilo
ONU propõe princípios para melhor informação. Organização angolana estuda omnipresença do governo nos media. Descubra o que há para ler neste Dia de Fecho.
🖊️Bloco de Notas | Nesta edição, encontrará uma referência à classificação de documentos no Brasil e a denúncia de que o recurso poderá estar a ser usado como forma de contornar um princípio constitucional.
O acesso à informação é um direito fundamental, inerente à própria ideia de democracia e ao Estado de Direito. O direito a saber é parte da forma como, nos países democráticos, nos organizamos e está na base da relação de confiança que estabelecemos com aqueles que nos representam - legitimando a sua ação em nosso nome.
Protegida a vida privada e a confidencialidade que lhe é inerente, a regra por defeito, aplicável ao que é público, deve ser a abertura e, até, a divulgação pró-ativa. As exceções previstas em constituições e leis de acesso à informação devem ser usadas proporcionalmente e não servir para justificar a classificação indiscriminada de documentos, visando a mera proteção de interesses particulares ou corporativos.
Em muitos (se não em todos) dos países que cobrimos nesta newsletter, incluindo Cabo Verde, de onde escrevo, continua a ser longo o caminho a percorrer para um Estado mais aberto e transparente. Não é fundamentalmente uma questão legal, antes de uma cultura de serviço público incompatível com os princípios da transparência e prestação de contas.
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Global
Cinco princípios pela integridade da informação
As Nações Unidas publicaram segunda-feira (24) cinco Princípios Globais para a Integridade da Informação. A iniciativa resulta de um conjunto de consultas a diferentes países, envolvendo representantes governamentais, mas também organizações de media, empresas e outros membros da sociedade civil.
“Os princípios para a integridade da informação das Nações Unidas oferecem uma estrutura holística para guiar a ação de multiagentes para um ecossistema informacional mais saudável”, destaca a ONU.
Segundo o secretário-geral, António Guterres, a base dos princípios é uma “visão primordial de um ecossistema informativo mais humano”.
Confiança e Resiliência Social
A confiança nas fontes de informação é fundamental para a integridade da informação. Já a resiliência social refere-se à capacidade de lidar com perturbações dessa integridade.
Incentivos saudáveis
Os modelos de negócios das plataformas digitais são um grande desafio para a integridade da informação, do qual tiram partido os autores de desinformação. É proposta a criação de incentivos que ajudem a transformar o atual quadro.
Empoderamento público
Os utilizadores das plataformas digitais têm pouca capacidade de decisão sobre a forma como os dados pessoais são utilizados ou sobre as dinâmicas dos algoritmos. O documento procura alterar este quadro.
Meios de comunicação independentes, livres e plurais
Para as Nações Unidas, “a integridade da informação só é alcançável com meios de comunicação independentes, livres e plurais”. A imprensa livre sustenta o Estado de Direito e é fundamental em sociedades democráticas.
Transparência e pesquisa
Maior transparência por parte das empresas tecnológicas permite uma melhor compreensão de como a informação é divulgada e de como os dados pessoais são utilizados.
📚Fontes/ler mais:
[ONU] United Nations Global Principles For Information Integrity
[ONU News] Nações Unidas indicam cinco princípios globais para a integridade da informação
[Desinformante] ONU lança 5 princípios globais para a integridade da informação
Angola
Estudo demonstra hegemonia do governo na cobertura dos media
O movimento cívico angolano, Mudei, lançou na última semana o primeiro de uma série de relatórios de monitorização dos media no país. O objetivo da organização é oferecer dados objetivos para o debate sobre a forma como os órgãos de comunicação social do Estado cobrem a atualidade. Os dados comprovam perceções antigas.
O relatório considera o período de novembro de 2023 a janeiro de 2024. O instrumento da Mudei destaca que o governo ocupou 63,8% das capas do Jornal de Angola, 48,6% do noticiário da Televisão Publica de Angola (a categoria seguinte ocupou 13%), 46,8% na Rádio Nacional de Angola (categoria seguinte: 11,5%) e 35,5% na TV Zimbo (categoria seguinte: 14,87%).
Para além do espaço central dado ao executivo, o Mudei constatou uma ausência de contraditório e sentido crítico. Não foram noticiadas discordâncias ou apontados erros à ação governativa.
Para o movimento cívico, as redações dos órgãos analisados revelam uma visão hegemónica do exercício do poder e do direito ao discurso público. Opiniões e eventos vistos como críticos são ativamente ocultados ou ignorados. A regulação da comunicação social “parece abafada pelos mesmos processos que afetam o exercício do jornalismo”, refere a Mudei.
📚Fontes/ler mais:
[Mudei] Monitoria de Imprensa
[Novo Jornal] Sindicato dos Jornalistas reage ao relatório do Mudei
Brasil
Classificação de documentos. Exceção vira regra, diz jornal brasileiro
A classificação de documentos oficiais brasileiros como sigilosos, secretos e ultrassecretos foi analisada pelo Gazeta do Povo. Refere o jornal que a prática se tornou habitual no país e que boa parte dos estados brasileiros ativou o chamado "rol de informações sigilosas".
A condição é prevista pela Constituição Federal e tem suporte na Lei de Acesso à Informação (LAI), mas pode levar a excessos e arbitrariedades que resultam numa violação do direito à informação.
“Não entendo isso como ilegal, mas é absolutamente antiético e reprovável do ponto de vista moral", argumenta o presidente do Instituto Brasileiro de Compliance (IBC), James Walker Junior, ouvido pelo Gazeta.
A legislação brasileira determina a necessidade de justificar a razão pela qual determinado documento é classificado.
A organização Transparência Brasil lembra que a classificação de documentos deveria ser exceção mas parece estar a tornar-se regra, o que considera preocupante.
“A presunção é sempre pela publicidade da informação e o sigilo só deve ser aplicado em casos excecionais e devidamente justificados. Mesmo em casos de sigilo, o cidadão ainda tem o direito de requerer a revisão da classificação", realça.
A análise da Gazeta do Povo é ilustrada com exemplos de práticas adotadas por diferentes estados e enquadrada por especialistas na área.
📚Fontes/ler mais:
[Gazeta do Povo] Como documentos secretos, ultrassecretos e sob sigilo viraram regra no Brasil
[Palácio do Planalto] Lei de Acesso à Informação
Brasil
Academia Brasileira de Ciências pede (e propõe) medidas para travar desinformação científica
Preocupados com o ambiente de “desinformação científica”, investigadores brasileiros querem a regulamentação das plataformas, para evitar a monetização de conteúdos falsos. O apelo é feito num relatório preparado pela Academia Brasileira de Ciências (ABC) e lançado no dia 20 de junho.
O documento denuncia os mecanismos que favorecem a propagação de desinformação no país. A ABC defende a adoção de cinco medidas:
1) Ampliar a promoção da divulgação científica; 2) Fortalecer a comunicação das universidades; 3) Investir na educação mediática e científica; 4) Implementar linhas de pesquisa para enfrentar a desinformação; 5) Regulamentar as plataformas de digitais.
“A desinformação científica é sustentada por um ecossistema lucrativo que inclui a monetização de conteúdo enganoso e a exploração das crenças e emoções do público para ganho financeiro. Para enfrentar a desinformação científica, é necessária uma abordagem multifacetada que inclua estratégias de prebunking (prevenção) e debunking (desmascaramento), educação mediática e científica, participação civil e verificação de evidências científicas”, lê-se no relatório.
Os trabalhos foram coordenados por uma equipa de cientistas, incluindo Thaiane Oliveira, professora de pós-graduação em comunicação da Universidade Federal Fluminense (UFF), e envolveram duas dezenas de investigadores.
“A desinformação científica prejudica toda a sociedade, especialmente quando os conteúdos são sobre temas de saúde”, declarou Thaiane Oliveira ao jornal Metrópoles.
📚Fontes/ler mais:
[ABC] Desafios e estratégias na luta contra a desinformação científica
[Metrópoles] Cientistas cobram que plataformas “desmonetizem” fake news
Moçambique
Noruega reserva 1,8 milhões de euros para formar 250 jornalistas de rádios comunitárias
A Embaixada da Noruega em Maputo e a organização não governamental moçambicana, h2n, assinaram dia 20 de junho um acordo para financiamento de um projeto de desenvolvimento das rádio comunitárias.
O projeto terá a duração de quatro anos, orçado em 1,8 milhões de euros. O foco estará na promoção do acesso à informação, participação ativa das comunidades, inclusão de pessoas com deficiência e transformação digital.
Vão ser capacitados mais de 250 jornalistas em Maputo, Nampula e Cabo Delgado.
📚Fontes/ler mais:
[Diário Económico] Noruega Disponibiliza 1,8 Milhões de Euros Para Apoiar Rádios Comunitárias
[h2n] Mais de 250 jornalistas de 25 rádios comunitárias serão capacitados em soluções digitais
🔗Outros temas
[CBN - Brasil] Entenda novo recurso do YouTube para combater fake news
[Público - Portugal] Discurso de ódio: o que é? Como combater?
[Reuters] Philippines seeking U.S. clarification on anti-vax propaganda operation
[Metro - Reino Unido] Hear a Holocaust survivor’s emotional memories captured in virtual reality
[Jornal Grande Bahia - Brasil] STF arquiva inquérito sobre campanha contra PL das Fake News
📱Um post numa rede social
Ver aqui.
👓Leitura longa
A ‘leitura longa’ desta semana é o relatório produzido por uma das maiores especialistas mundiais em desinformação, Claire Wardle, para as Nações Unidas. O documento faz uma análise aprofundada da relação, convergências e divergências, entre discurso de ódio e desinformação. Nota de destaque para os desafios que se colocam à abordagem dos fenómenos, particularmente nos espaços digitais. Referência aos esforços de regulamentação e regulação. Apelo a uma abordagem multidimensional que combine medidas jurídicas, educativas e tecnológicas.
Todos os seres humanos têm direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.
Artigo 19º, Declaração Universal dos Direitos Humanos