[#3] Detenção, agressões e um "desaforo tirânico"
Jornalistas moçambicanos vítimas de ação policial. Nova presidente do TSE brasileiro promete continuar combate à desinformação. Isto e mais qualquer coisa.
🖊️Bloco de Notas | Uma das notícias que destaco nesta edição é a vontade expressa pelo regulador angolano dos media, a ERCA, em promover a ‘literacia mediática’. Elevar os níveis de literacia mediática (e digital, já agora) é uma necessidade transversal a todas as sociedades modernas. Uma parte importante dos cidadãos não dispõe das competências necessárias para lidar com os atuais níveis de exposição a conteúdos mediáticos e sobre eles formular juízos críticos.
Nos países africanos de língua portuguesa, especialmente, o tema permanece genericamente à margem da agenda, com iniciativas esporádicas, sem qualquer tipo de sistematização ou restritas ao circuito do ‘país sentado’, das palestras e dos seminários. Para que chegue a todos, a educação para os media tem de percorrer um caminho que, além de planeado, seja transversal e considere como pré-requisito que, em muitos dos nossos países, os níveis de acesso à educação latu sensu ainda são muito baixos. É uma corrida de fundo.
📢Amanhã publicamos o nosso primeiro Suplemento (o nome que, à falta de melhor, dou às edições extra), totalmente dedicado à desinformação nas eleições europeias. Entre outras coisas, fui espreitar os programas/manifestos dos partidos portugueses, à procura de referências ao tema.
Moçambique
Detenção e agressões contra jornalistas durante protesto em Maputo
A jornalista moçambicana, Sheilla Wilson, foi terça-feira (4) detida pela Polícia da República de Moçambique (PRM), em Maputo, enquanto cobria um protesto de ex-militares. Ao longo de várias horas, a jornalista esteve “em parte incerta e incomunicável”, conforme denúncia do Centro para Democracia e Direitos Humanos (CDD). A repórter acabaria por ser libertada durante a noite.
Segundo o CDD, o telemóvel de serviço da profissional terá sido apreendido pelas autoridades.
Na sequência do mesmo protesto, dois outros jornalistas, estes do canal de televisão STV, também terão sido agredidos. A câmara que transportavam, contendo imagens de suposta violência policial contra os antigos membros das Forças de Defesa e Segurança (FDS), terá sido apreendida pela PRM.
Segundo o jornal O País (do mesmo grupo da STV) e a DW, os jornalistas estariam a cobrir um protesto de mais de trezentos ex-elementos das FDS, acampados há cerca de uma semana junto aos escritórios das Nações Unidas, na capital moçambicana, exigindo o pagamento de compensações devidas há mais de duas décadas.
📚Fontes/ler mais:
[DW] Polícia dispersa protesto em Maputo de ex-oficiais das FDS
[O País] Polícia agride jornalistas da STV e desaparece com câmara
Brasil
Nova presidente do TSE promete combater “duramente” a desinformação
Cármen Lúcia, ministra do Supremo Tribunal Federal do Brasil, tomou posse esta segunda-feira (3) como presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), iniciando um mandato de dois anos. O combate à desinformação continuará no topo da agenda.
No discurso de posse, Cármen Lúcia referiu que a disseminação de desinformação pelas redes sociais é um “desaforo tirânico”, que coloca em causa as democracias, pelo que “os abusos” não serão tolerados.
“O algoritmo do ódio, visível e presente, senta-se à mesa de todos. É preciso ter em mente que o ódio e violência não são gratuitos. Instigados por mentiras, reproduzem-se. Esses ódios parecem intransponíveis, mas não são”, disse.
“A mentira continuará a ser duramente combatida. O ilícito será investigado e, se provado, será punido na forma da legislação vigente. O medo não tem assento em alguma casa de Justiça”, acrescentou.
Este é a segunda vez que Cármen Lúcia ocupa a cadeira mais importante do TSE. Desta feita, recebeu a pasta das mãos de Alexandre de Moraes, que deixou a presidência do órgão após um mandato muito combativo.
Conforme a imprensa brasileira, colegas da nova presidente acreditam que esta deverá manter o estilo ‘linha dura’ estabelecido por Moraes, mas ser mais discreta e menos mediática.
A cerimónia contou com a presença do presidente do Brasil, Lula da Silva, e dos presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, e Senado, Rodrigo Pacheco.
📚Fontes/ler mais:
[O Antagonista] O que esperar de Cármen Lúcia à frente do TSE?
[InfoMoney] Cármen Lúcia toma posse no TSE e diz que fake news são “desaforo tirânico”
Brasil
Um permanente ecossistema de desinformação
“Como as fake news se propagam em situações de crise” foi o mote para o debate promovido pela Associação Riograndense de Imprensa, no último sábado (1), Dia Nacional da Imprensa, no Brasil.
Correspondente do New York Times, em Brasília, e repórter do Intercept Brasil, o jornalista Paulo Motoryn declarou que “conforme a água inundava as casas [no Rio Grande do Sul], a desinformação inundava as redes”.
O profissional considera existir um ecossistema que se aproveita da alta polarização da sociedade brasileira - e cada vez menor disponibilidade para o contraditório - para amplificar determinadas crenças, especialmente em momentos de crise. “Nesse caso do negacionismo climático, a extrema-direita está cada vez mais forte e empenhada em disseminar isso”, declarou durante o evento.
Motoryn entende que quem mais condiciona o debate público são as grandes empresas de tecnologia. “No máximo, cinco, seis empresas transnacionais, mas com origem nos Estados Unidos ou na China, principalmente, ou algumas na Rússia. Elas alojam todo esse debate, funcionam em uma lógica algoritmizada, em que um conjunto de diretrizes guia o que as pessoas vão ser exposto”, disse.
Já agora, desde 1999 que o Dia Nacional da Imprensa, no Brasil, se comemora oficialmente a 1 de junho (lei 9831/99, promulgada pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso). Até então, a efeméride era assinalada a 10 de Setembro.
📚Fontes/ler mais:
[Brasil de Fato] Ecossistema de fake news é permanente, e se aproveita de tragédias, avalia jornalista
[Brasil de Fato] ‘É preciso uma operação de guerra para qualificar a informação’, alerta pesquisador das fake news
Angola
Regulador promete “amplo movimento de literacia mediática”… mas há quem desconfie da boa vontade
A Entidade Reguladora da Comunicação Social Angolana (ERCA) quer promover um “amplo movimento de literacia mediática”, que permita elucidar os cidadãos sobre os seus direitos e deveres. Anuncio feito dia 30 de maio, pelo presidente do conselho diretivo da ERCA, Adelino de Almeida, na abertura de uma palestra sobre “liberdade de Imprensa em Angola, contexto e desafios”, promovida pela instituição na cidade do Soyo, norte do país.
Palestras e encontros com jornalistas e população em geral, sobre “o exercício mediático”, estão na agenda do regulador angolano.
A promessa de mais literacia mediática, feita pelo presidente da ERCA, não convence o jornal Folha 8, publicação próxima do maior partido da oposição, a UNITA. Ao recordar que “a imprensa livre é um pilar da democracia”, o texto recupera posicionamentos de diferentes entidades ligadas aos media, para concluir que “em Angola, a democracia não existe”.
📚Fontes/ler mais:
[Angop] ERCA desenvolve amplo movimento de literacia mediática
[Folha 8] A iliteracia jornalística da ERCA
Timor-Leste
Jornalista português António Sampaio torna-se cidadão timorense “pelos altos serviços à liberdade de imprensa”
Pelos “altos serviços prestados à Liberdade de Imprensa, ao jornalismo de alta qualidade em Timor-Leste, pela dedicação a missão de informar, sempre com muito profissionalismo”, foi atribuída esta segunda-feira (3), em Dili, a nacionalidade timorense ao jornalista português António Sampaio.
A decisão não foi unânime. O projeto de resolução 41/VI foi aprovado no Parlamento Nacional, com 35 votos a favor (provenientes das bancadas do Congresso Nacional para a Reconstrução de Timor-Leste, Partido Democrático e Kmanek Haburas Unidade Nasional Timor Oan), 15 votos contra (da Frente Revolucionária de Timor-Leste Independente) e duas abstenções.
À semelhança do que acontece noutras latitudes, a lei de Timor-Leste prevê a possibilidade de a nacionalidade ser atribuída a quem tenha prestado serviços relevantes ao país.
O presidente José Ramos-Horta felicitou os partidos que votaram favoravelmente a proposta, “que sabem reconhecer os méritos e os serviços prestados ao longo de três décadas” por António Sampaio.
Com praticamente 35 anos de jornalismo, Sampaio dedicou a maior parte da carreira a cobrir a atualidade timorense, ao serviço da Agência Lusa.
📚Fontes/ler mais:
[Tatoli] PN atribui nacionalidade timorense a António Sampaio
[Tatoli] António Sampaoio: Seria uma grande honra obter a cidadania timorense
[Linkedin] António Sampaio
🔗Outros temas
[Bloomberg] EU Explores Whether Telegram Falls Under Strict New Content Law
[Forbes - Portugal OpenAI interrompe campanhas de desinformação da Rússia, China e Israel para influenciar a opinião pública
[BBC - Brasil] As dificuldades para identificar imagens geradas por inteligência artificial nas eleições
[France 24] India awaits results of general election marred by 'unprecented' disinformation
📱Um post numa rede social
Ver aqui.
👓Leitura longa
Durante a pandemia de covid-19, a propagação de desinformação teve um impacto significativo na aceitação das vacinas. Embora as plataformas digitais, como o Facebook, tenham garantido que estavam a tentar reduzir o efeito da desinformação, ao marcar publicações, os efeitos dessa estratégia foram limitados e deixaram de fora muitos conteúdos. Um estudo de Allen et al., publicado dia 31 de maio na revista Science, destaca a complexidade de lidar com a desinformação que aproveita nuances e omissões para sugerir informações falsas e imprecisas (em inglês, misinformation). A pesquisa apresenta evidências causais de que esses conteúdos específicos são uma importante ameaça à saúde pública.
[Inglês] Quantifying the impact of misinformation and vaccine-skeptical content on Facebook
Todos os seres humanos têm direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.
Artigo 19º, Declaração Universal dos Direitos Humanos